Revista Néon
Gerson Sousa, jornalista
Agosto de 2004
Uma forma diferente de fazer arte
O ano era 1968. A cidade, Paris. Em cada canto, viam-se mensagens revolucionárias. Os muros e tapumes estavam repletos delas. Eram os primeiros grafismos. Mais do que simples traços, tratava-se de uma forma diferente de comunicação visual, uma tomada de posição. Era também uma forma de protesto. Agora, a cidade era Nova Iorque, jovens do Bronx começaram a assinar seus pseudônimos nos muros, criando uma identidade pública para essas intervenções, desta feita usando como cenário trens e metrôs. Daí em diante, o movimento acabou ganhando força, espalhando-se pelo mundo inteiro. Os jovens artistas almejavam uma linguagem nova, mais direta e democrática. Surgiu então a cultura hip hop, formada por três elementos: o rap (musical), o break (dança) e o grafite (expressão plástica).
No Brasil, foi no final da década de 70, com a abertura política, que o grafismo ganhou ritmo. Passou também por três fases: "pichação poética" eram pintadas nos muros frases metafóricas e enigmáticas, carregadas de protestos políticos e ironias. Em seguida, as letras se transformaram em desenhos, feitos com máscaras vazadas. Depois vieram as ilustrações, que foram ganhando qualidades técnica, até que a simples intervenção urbana definitivamente virou arte. O grafite então chegou às galerias e museus, virando arte.
Nova linguagem
O grafite serviu para protestar contra a guerra do Iraque na Bahia. Essa foi a forma encontrada por crianças e adolescentes de comunidades de Salvador. Através do grafismo, os jovens expressaram a desaprovação à guerra no Iraque e a insatisfação com as desigualdades sociais no Brasil. O "campo de batalha" teve como um dos cenários os muros da Universidade do Estado da Bahia - Uneb. Os desenhos retrataram a fome, a violência, o desemprego, a falta de saúde e de educação e a seca no Nordeste.
"Para os jovens artistas, é importante ressaltar a diferença entre grafismo e pichação. Os grafiteiros, esclarecem, se preocupam em passar mensagens sociais. Os pichadores não. Disputam apenas o território, o direito de ocupar cada vez mais espaço com suas marcas", explica Paranaguá.
Forma e cor
Na década de 80, surgiram os primeiros traços do grafismo em Salvador. Os traços não possuíam cor, eram desenhados sobre as paredes na maioria das vezes em forma de frases de efeito, expressando algum tipo de protesto. Nesse período, surgiram mensagens assinadas por "Faustino", "BL", "Clímax", "Formiga Atômica", "Dr. Chad", "Afoxés do Carnaval", entre outros.
Um observador atento
O relações públicas José Francisco Paranaguá Guimarães, que gosta de ser chamado simplesmente de Paranaguá, também um observador atento das transformações que o grafismo sofreu em Salvador, nos idos de 80, fez mais: registrou todo o acervo em fotografias. De máquina em punho, circula pela cidade, clicando todas as manifestações que encontra afixadas em tapumes, muros, encostas e outdoors. "A fotografia para mim sempre foi um hobby. Até hoje conservo o hábito de andar com a máquina fotográfica no meu carro. Se algo me chama a atenção, clico. Assim, aconteceu com as mensagens em forma de arte", conta ele.
Os registros começaram a ser feitos a partir de 1985. Confessa que, por inúmeras vezes, tentou surpreender, de alguma forma, um dos artistas em plena atividade. Foi com muita satisfação que registrou, também, o novo encaminhamento que Bel Borba deu a este tipo de trabalho. Elogiou as formas definidas pelo artista e a grandeza com que passou a executar seu trabalho. Paranaguá explica que alguns dos registros, seja do ano de 1985 ou alguns dos atuais, não existem mais, devido à ocupação dos lugares, desmoronamento ou outros fatores. "Definitivamente era um novo conceito de arte em Salvador. As figuras imaginadas por Bel e colocadas em locais estratégicos da cidade fez com que a população visse a arte de forma diferente. Participasse dela, envolvendo-se em detalhes como se fosse parte integrante da criação", relata Paranaguá.
O artista
Bel Borba, um artista, reflexivo e irriquieto, sempre deixou claro que não se moldaria ao que estava estabelecido. Seu espírito criador sempre o levou a que trabalhasse de forma livre. Desse modo, contestou tudo aquilo que estava no circuito convencional, demonstrando absoluta liberdade nas artes plásticas baianas. Viu com olhar curioso os murais que surgiam e também resolveu ocupar espaço. Procurou, no entanto, uma forma própria de atuar. Não se limitou a repetir as mesmas coisas, queria inovar. Criou então novos conceitos e deixou fluir o que havia na sua imaginação. O artista se sente muito à vontade na rua. É como se Salvador fosse a extensão da minha casa. Toda vez que penso num trabalho, já penso na rua. É um trabalho que não pede nada a ninguém, só a autorização, e olha quem quer.
Pioneirismo na arte do mosaico
"Bel Borba foi pioneiro na ocupação dos espaços públicos utilizando a técnica de fragmentos de cerâmica e pintura a óleo em azulejos, nas mais variadas formas. Na onda, surgiram outros artistas como Gilson Maciel, César Carvalho, Leonel Matos e Inha, utilizando a mesma técnica."
A idéia inicial, disse Paranaguá, é fazer uma exposição desse acervo. "O amigo jornalista Augusto Queiroz se propôs a divulgar o trabalho, mas ficou apenas no projeto. Resolvi então retomar a idéia da exposição, hoje concretizada, e pretendo, não preciso o tempo, de publicar um livro sobre o assunto como forma de resgatar um tempo que poucas pessoas se deram conta".
Voltou a catalogar novamente, desta vez fotos em cor, quando surgiram os primeiros trabalhos com pedaços de cerâmicas ou azulejos multicoloridos ou de uma única cor, além de outras técnicas, espalhados pelas encostas, paredes, balaustradas, contenções. "Atualmente os artistas são outros. Em vez de pseudônimos, assinam seus verdadeiros nomes," finaliza.