Homenagem a Faustino
Texto de Cipy Lopes, extraído do blog de Rafael Galvão
Admirador dessa figura emblemática, um dos pioneiros da pichação (grafismo), e amigo de Miguel Cordeiro, autor intelectual do personagem, presto-lhe uma homenagem, transcrevendo um texto de Cipy Lopes.
Final dos anos 70. Salvador, como outras grandes capitais brasileiras, foi invadida por grafites. Expressão de rebeldia num momento de grande mobilização na cena política do país, dos gritos que precederam as "Diretas Já", grafites como "Faustino", "Baldeação", "Mancha" e "Madame Min" alegravam a cena urbana da cidade da Bahia. Nas manhãs, quando eu saía para o trabalho (morava na Graça e trabalhava no Caminho das Árvores - trajeto relativamente longo) levava a expectativa de ver as frases engraçadas, inteligentes, carregadas de teor político-social, escritas sempre na madrugada em muros estrategicamente escolhidos. Mas o meu grafite preferido era o "Faustino".
Nascido em 1979, "Faustino" foi o pioneiro e, pra mim, o mais expressivo personagem que o spray revelou nos muros brancos da velha cidade. Trazia um humor sutil e bulia com as pessoas com suas tiradas jocosas. Simpático, era totalmente integrado à nossa urbanidade, e nunca ficava despercebido, nem mesmo ao mais desatento, distraído e alheio caminhante ou passageiro das avenidas daqui.
Faustino cheira o fio dental é uma das muitas frases que li por aí e que guardo na "gaveta" como testemunho de um tempo difícil em que manifestações anônimas - e proibidas - me contentavam. Em qualquer lugar, "Faustino" sempre era motivo de boas conversas e ótimas risadas. Mesa de bar, trabalho, faculdade, nada escapava.
Uns tantos reclamavam muito da "sujeira" nos muros. Para outros, isso de "sujeira" passava ao largo. A Tarde - o maior jornal local - era uma voz reclamona. Faustino é assinante d'A Tarde foi uma reação de pronto às matérias publicadas sobre a "sujeira" na cidade. E o pessoal do jornal gostou da brincadeira.
Filho da crise, "Faustino" faz piquenique no motel, vendeu o ouro do dente e carrega uma calculadora na capanga. E ele quitou o carnê do bloco. Já podia receber o kit que fazia a alegria dos foliões da classe média: mortalha, chapéu e mamãe-sacode. Nesta época, os blocos de Carnaval e os promotores de espetáculos colavam cartazes pela cidade, muitos deles em cima das frases que o imortalizaram, pelo menos pra mim.
Cafona-nostálgico-saudosista, "Faustino" usa calça Topeka, lava a roupa com Rinso e usa escovinha pata-pata. Faz curso Madureza e tem um gosto musical pra lá de especial: aprecia o Trio Yrakitan e ouve Julio Iglesias. Ah, ele também canta no coral da empresa.
Faustino tem um terreno na Ilha (Itaparica). E status! Este era um dos sonhos de consumo da classe média soteropolitana. Outro sonho realizado foi quando ele tirou um Chevette Jeans no consórcio. O modelo escolhido atesta a sua cafonice, e no consórcio, a alternativa da hora. Cafonice também foi possuir uma pasta 007, inicialmente símbolo de executivos bem-sucedidos e que à época era usada por contínuos nas suas caminhadas diárias pelas agências bancárias do Comércio, o nosso centro financeiro.
Interessante é que todos comentavam sobre "Faustino", mas ninguém sabia quem era o seu criador, até que os jornais Correio da Bahia e A Tarde, em março e abril de 1984, respectivamente, lhes dedicaram uma página inteira cada um. E "Faustino" teve, depois de quatro anos, a identidade paterna revelada: Miguel Cordeiro, economista, fã do rock do Camisa de Vênus, então com 28 anos. Confesso que esta revelação me foi uma espécie de semi-alegria. O fato de não saber quem fazia aqueles grafites trazia uma sensação diferente.
Miguel Cordeiro fazia desenhos também, e os apresentava na galeria aberta que eram os muros das avenidas: Manoel Dias da Silva e Paulo VI, na Pituba; o final da Oito de Dezembro, na Graça; Marquês de Caravelas e Afonso Celso, na Barra, para lembrar alguns. Sim, geograficamente a história de "Faustino" e a arte plástica de Miguel foram expostas entre a Barra e o Caminho das Árvores.
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